HEBRON Atualidades 52 - Julho-Agosto/2011
16 // Hebron Atualidades 16 // Hebron Atualida es Hebron Atualidades // 17 A revista Hebron ® Atualidades traz, a partir desta edição, a seção “Pesquisa Brasileira”, onde tra- taremos de pesquisas feitas em solo nacional, por cien- tistas brasileiros. Vamos começar falando de uma das primeiras: a especificidade do soro antiofídico. A descoberta do soro antiofídico O responsável pela descoberta do soro antiofídico foi o cientista francês Albert Calmette (1863-1933), que desenvolveu o soro a partir de cobras najas. No início, acreditava-se que o soro era universal, ou seja, serviria para picadas de cobras de qualquer espécie. Foi o médico e cientista brasileiro Vital Brazil (1865-1950) quem descobriu a especificidade do soro, percebendo que cada veneno produzia um soro específico, isto é, o soro obtido a partir do veneno do animal que causa o acidente só neutraliza a ação desse veneno. Vital Brazil trabalhou na França e, ao voltar ao Brasil e elaborar soros específicos contra picadas de cobras, iniciou as primeiras experiências com serpentes peço- nhentas. Depois de alguns anos, desenvolveu um soro contra os venenos de cascavel e jararaca, as duas es- pécies que mais matavam no Brasil. Aceitou o desafio de produzir o soro e, em 1901, começou a produzir as primeiras doses de soro antiofídico. Até o advento do soro, 25% dos acidentes com cobras venenosas resul- tavam em morte. Hoje, o percentual é de apenas 0,4%. Vital Brazil desenvolveu esse soro, hoje chamado anti- botrópico/crotálico, no Instituto Butantã, em São Paulo, onde trabalhou por vinte anos. A importância da especificidade A descoberta de Vital Brazil sobre a especificidade dos soros antipeçonhentos estabeleceu um novo con- ceito na imunologia, e seu trabalho sobre a dosagem dos soros antiofídicos gerou tecnologia inédita. A cria- ção dos soros antipeçonhentos específicos e o antiofí- dico polivalente ofereceu à medicina, pela primeira vez, um produto realmente eficaz no tratamento do aciden- te ofídico que, sem substituto, permanece salvando centenas de vidas nos últimos 100 anos. Como é produzido O soro antiofídico é o único meio comprovadamen- te eficaz de tratamento de pessoas picadas por serpen- tes venenosas. Ele é feito inoculando-se pequenas e sucessivas doses de venenos em cavalos. O animal vai, aos poucos, fabricando anticorpos e adquirindo resis- tência a doses maiores de veneno. Depois de algum tempo recebendo doses adicionais, o cavalo sofre um processo de sangria (retirada de parte de seu sangue), processando-se a separação do sangue: plasma (parte líquida) e elementos figurados (hemácias, leucócitos e plaquetas sanguíneas). O plasma, que contém as prote- ínas fabricadas pelo organismo do cavalo para neutrali- zar a ação do veneno (anticorpos específicos), é purifi- cado e utilizado na fabricação do soro. Quando alguém recebe o soro antiofídico está recebendo o plasma do cavalo repleto de anticorpos que auxiliarão o organismo a se defender da ação do veneno. O soro antiofídico é distribuído gratuitamente pelo Ministério da Saúde. O reconhecimento da serpente é importante na aplicação do soro, pois a especificidade do soro e a rapidez no atendimento são fatores que aumentam muito as chan- ces de sucesso do tratamento. Vital Brazil Mineiro, nascido em 28 de abril de 1865 (dia de São Vital) na cidade de Campanha, Vital Brazil foi um pio- neiro da medicina experimental no Brasil e criou a base da imunologia no país, ao elaborar soros específicos contra picadas de cobras, a especificidade antigênica, um dos pilares da imunologia moderna. Já formado, Vi- tal Brazil combateu epidemias de febre amarela, varíola e cólera no interior paulista. Desde 1893, como inspe- tor sanitário, percorreu o interior do estado, tomando conhecimento das precárias condições de saúde em que vivia a população. Afastou-se do serviço público, estabelecendo-se como clínico em Botucatu, quando, em contato com pacientes picados por cobras, iniciou as primeiras experiências com serpentes peçonhentas. Em 1896, a convite de Adolfo Lutz, pai da medicina tropical e da zoologia médica no Brasil, iniciou suas pes- quisas no Instituto Bacteriológico. Em 1898, participou da identificação do surto epi- dêmico de peste bubônica em Santos e passou a pre- parar o soro contra esta doença na fazenda Butantan (onde se originou o Instituto). Depois de alguns anos, desenvolveu um soro contra os venenos de cascavel e jararaca. Aceitou o desafio de produzir o soro e, em 1899, assumiu a direção do Instituto Butantan, em São Paulo. Dirigiu o Butantan por 20 anos, transformando- -o em referência mundial no combate às mortes por envenenamento, a ponto de ter sido visitado pelo presi- dente norte-americano Theodore Roosevelt, em 1915. Ainda fundou, em Niterói, onde morou o resto da vida, o Instituto Vital Brazil, voltado à preparação de soros e vacinas e polo de pesquisas nessa área. A primeira dose de soro antiofídico, em 1902, foi para o ex-senador Peixoto Gomide, ex-vice-presidente de São Paulo. O combate aos venenos de cobra, no iní- cio do século XX, era feito unicamente pelo curandei- rismo. Eram cerca de três mil casos por ano no Estado, que então tinha 2,3 milhões de habitantes. Nesse mes- mo ano, ele publicou seu primeiro trabalho sobre o en- venenamento ofídico e demonstrou que o soro para o tratamento dos acidentes tinha de ser específico. Tam- bém produziu as primeiras ampolas de soro contra o veneno de jararaca e cascavel. Até hoje não existe tratamento mais eficaz para a picada de cobra PESQUISA BRASILEIRA // PARTE 1 Vital Brazil e a especificidade do soro antiofídico A descoberta do médico e cientista brasileiro sobre a especificidade dos soros antipeçonhentos estabeleceu um novo conceito na imunologia e gerou tecnologia inédita // Por Vivianne Santos PESQUISA BRASILEIRA // PARTE 1
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